Not that mind, not that heart. You won't rot.

Quando estou a caminho de casa, já no meu carro depois de todos os transportes públicos que tenho de apanhar, ou venho cheia de coisas na cabeça ou venho a pensar em rigorosamente nada. Era o caso de hoje, vinha para casa sem grandes pensamentos, até que comecei a ouvir uns gritos alarmantes vindos de trás do meu carro.

Quando olhei pelo espelho estava à espera de ver alguém que tinha tropeçado ou algo semelhante. Não. Ia a circular atrás de mim uma mota, daquelas pequenas que até têm a placa amarela,onde ia um casal. Um casal? Não. Uma rapariga, que ia a conduzir, e uma besta que ia atrás dela.

Rapidamente me apercebi de que não se tratava de uma pessoa, mas sim de uma besta. O rapaz (que se chamava Ricardo) berrava nomes e insultos à rapariga enquanto lhe puxava o cabelo, lhe batia no braço e se movimentava de um lado para o outro. Percebi que a criatura se chamava Ricardo porque, entre os gritos de aflição, a rapariga gritava “Pára, Ricardo!! Vamos cair. Por favor, pára”. E eu não sei como não caíram, nunca vi uma mota abanar tanto. Comecei a gritar imenso no meu carro, a apitar desesperadamente e a gesticular na tentativa que percebessem que estava a ver, mas eles estavam atrás de mim, ninguém à volta parecia estar a reparar e eu não sabia o que fazer.

Uns metros à frente há um semáforo que, por sorte, estava vermelho. Pararam ao lado do meu carro, ele sai da mota e continua a insultá-la e a dizer-lhe tudo aquilo que sabe que a vai destruir. Baixei a janela direita do meu carro e gritei-lhe que fosse embora sem olhar para trás, sem voltar para ele. O semáforo fica verde e todos os carros atrás de mim começam a apitar-me. Ela olhou para mim - e tanto que chorava - com o olhar mais assustado e envergonhado que já vi. Estava tão assustada. Ele… Continuava a insultá-la e ordená-la que não me ligasse. Disse-lhe que não tinha de aguentar aquilo; que eu sabia que ela sentia que precisava dele para ser feliz, mas que não precisa. Disse-lhe para, por favor, se ir embora. Os carros atrás de mim estavam a enlouquecer e tive de arrancar. Devia ter voltado para trás.

Segui o meu caminho e escorriam-me lágrimas pela cara. Eu tremia por todos os lados e só dizia que devia voltar para trás. O mais provável era já lá não estarem, mas eu devia ter-me certificado, devia ter voltado para trás. Não era uma situação encenada, não era falso, eu assisti mesmo àquela situação. Eu assisti mesmo àquilo que deve ser uma situação recorrente na vida daquela rapariga, àquilo que deve ser o seu inferno; eu devia ter voltado atrás.

Desculpa, querida. Desculpa-me por não ter voltado atrás para me certificar de que estavas segura. Desculpa. Espero que tenhas ido para algum sítio seguro, com alguém te que proteja. Espero que não tenhas ido para casa esconder tudo por vergonha. Espero que peças ajuda. Pede ajuda, vais ter quem te acolha e te compreenda. Por favor, sabe que aquilo que ele te fez não te define. Por favor, não deixes que a forma como ele te fez sentir te defina. Não deixes que ele ganhe e segue em frente. Não deixes que ele te convença que precisas dele para ser feliz, que nunca mais ninguém vai gostar de ti como ele gosta. Não é verdade. Ele nunca gostou de ti, não te trataria dessa forma. O amor é lindo e amar alguém é lindo, mas, por favor, ama-te mais e primeiro; protege-te mais e primeiro. Dele tenta guardar as memórias boas, se existirem, e não lhe guardes ódio. Só faz com que fique mais difícil para ti. Ele não merece nada de ti, nem o teu ódio. Acredita, és muito mais forte do que julgas e nada do que ele te fez e te disse te define ou moldou a tua vida daqui para a frente. És muito mais forte do que ele alguma vez será.

Não vou dedicar palavras nenhumas à besta que te contaminou a vida. Só espero que tu sejas feliz e que ele nunca mais na puta da vida durma descansado. Espero que todas as noites antes de adormecer saiba a merda de existência que é e que nunca poderá apagar aquilo que te fez.

Devia ter voltado atrás.

xx